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Mostrando postagens de julho, 2018

Uma boquinha na Terra

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A liberdade, Sancho, não é um pedaço de pão. Dom Quixote Há muitos anos eu não encarnava na Terra. Acho que tinha esquecido que é feito cheirar cocaína: no dia seguinte, com a ressaca se convertendo no desânimo que se instaura por pelo menos uma semana, fica fácil dizer que nunca mais, mas passam-se alguns meses e no calor de festa você se faz de esquecido e dá de novo o bendito raio. Claro: pra mais uma vez no dia seguinte, merda, dizer que nunca mais, recomeçando o ciclo. Eu já devo ter dito muitas vezes que nunca mais. Contudo, passeando pela Terra feito Isaac agarrado em Angélica, do filme do Manoel de Oliveira, senti o aroma de churrasco e não pensei duas vezes: vou reencarnar. É isto: me refiz carne pela comida. Sou evoluído, não precisava voltar, mas a fome falou mais alto. Outros seres, de luz como eu, me alertaram: se tu queres retornar àquela selvageria onde se come tudo o que é vivo – porque lá ninguém se alimenta do que não é orgânico –, é por tua própria conta e risco. Vai

Cinema: suprassunção do teatro

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A teatralidade é substituída pela intervenção esclarecedora e interpretativa da câmera, que se torna “narradora”, criando intensidade e dramaticidade através da ênfase óptica. Anatol Rosenfeld O cinema, enquanto conceito, é a suprassunção do teatro, ou seja, o cinema incorpora os conceitos do teatro para tornar-se novo conceito. Em outros termos, o que se chama sétima arte é ao mesmo tempo negação, afirmação e elevação do teatro (assim como, insiste-se tanto neste blog, o teatro épico é ao mesmo tempo negação, afirmação e elevação do drama). No começo, o que se projetava no cinema não passava de filmagem do palco com a câmera enraizada no meio da plateia, isto é, enquadramento estático e aberto, pegando o corpo inteiro dos atores e a completude do cenário. Tratava-se de algo como peça gravada, nada mais do que isso, mesmo se se pensar em filmagens externas, em que não se tinha literalmente nem palco nem plateia. Com o tempo, a câmera passa a se mover, narrativamente permeando e cortand